Amarrada e vendada às margens de uma rodovia no Rio Grande do Sul, menina foi solta
com vida após intermédio de um advogado criminalista, pai de uma colega da vítima,
que tinha contato com os sequestradores e auxiliou nas negociações
Resgatada na manhã desta quinta-feira (24), a menina Laura Ghedin Tessmann passou quase 24h dentro dos porta-malas de ao menos três carros, desde seu sequestro na madrugada da última quarta (23), em Criciúma. A garota de 11 anos não foi mantida em cativeiro fixo, mas seguiu em movimentação constante junto aos sequestradores, a partir do momento em que foi levada de seu pai, em frente à sua casa, no bairro Pio Correia, quando os dois voltavam do jogo entre Criciúma e Vila Nova.
Em coletiva de imprensa na manha desta quinta, as forças de segurança pública de Santa Catarina detalharam o processo de investigação, que vinha sendo mantido em sigilo até o resgate de Laura. Segundo a Polícia Civil, os sequestradores exigiam R$ 11 milhões pelo resgate e ameaçavam amputar uma parte do corpo da garota e enviá-la à família caso o crime ganhasse repercussão na imprensa — o que não aconteceu, mesmo com a circulação de notícias.
Confira abaixo o desenrolar do caso, com detalhes sobre o sequestro; as exigências da quadrilha; as suspeitas de motivação para o crime; a investigação policial; as circunstâncias para o resgate e o vídeo da volta para casa.
Apesar das longas horas viajando dentro dos carros, vendada, amarrada e sem se alimentar, Laura demonstrou “uma firmeza e uma serenidade impressionante”, descreve o delegado Anselmo Cruz, diretor da Diretoria de Investigações Criminais (Deic) catarinense. Ao fim do sequestro, a refém foi deixada, ainda amarrada e vendada, à beira de uma estrada no município de Três Cachoeiras, no Rio Grande do Sul, a cerca de 40 quilômetros de Santa Catarina.
Depois de abandonar a menina à beira da estrada, os sequestradores estão foragidos, porém, a polícia afirma que eles já foram identificados. Na última quarta-feira (23), um homem de 22 anos foi preso em Criciúma. Segundo a polícia, ele está envolvido com o crime, mas, no momento da prisão, não tinha informações sobre o paradeiro da garota. A polícia acredita que o sequestro foi arquitetado com “compartimentação de informação”, estrutura em que não necessariamente todas as pessoas envolvidas sabem de todo o plano.
O sequestro
Na noite de terça (22) para quarta-feira (23), Laura Ghedin Tessmann, de 11 anos, foi sequestrada na porta de casa, quando voltava com o pai do jogo entre Criciúma e Vila Nova. Ao chegar de carro à residência, no bairro Pio Correia, por volta de 00h15, encontraram o portão da garagem trancado com um cadeado, forçando o pai — Ramon Tessmann, empresário e pastor evangélico, de 43 anos — a parar o carro em frente à residência. Nesse momento, os dois foram abordados por cinco criminosos armados que surgiram em dois veículos escuros.
Segundo a polícia, Ramon chegou a reagir, mas foi rapidamente imobilizado, e, em questão de aproximadamente 30 segundos, Laura havia sido levada. Meia hora depois, apareceram os primeiros vestígios. Aproximadamente à 00h45 de quarta, um Volkswagen Jetta foi encontrado abandonado e incinerado no município de Morro da Fumaça, vizinho a Criciúma. Dentro do carro, havia pertences da refém e um moletom, que a polícia acredita ser de um dos sequestradores.
“Os autores desse crime não são aventureiros”, afirmou o delegado Yuri Miqueluzzi, da Divisão de Investigação Criminal de Criciúma (DIC). O carro incinerado foi apenas o primeiro de três que seriam posteriormente encontrados pela polícia. Contudo, Miqueluzzi acredita que isso não tenha sido ao acaso. “Esses carros foram preparados pra isso. Foram roubados em Içara dois meses atrás. Isso é pensado. Eles têm um plano traçado e a gente tem que correr atrás. Conseguir desvencilhar esses nós em 24h não é fácil”, declarou.
Horas antes do sequestro, Amanda Tessmann, mãe de Laura, registrou no Instagram momentos da filha na última terça-feira (22). Em imagens divulgadas, a garota aparece trajada com o uniforme do Criciúma, jantando com um amigo logo antes da partida de futebol. Desde o sequestro, até o momento em que Laura foi encontrada, não houve mais manifestações nas redes sociais da mãe ou do pai da menina.
As exigências
Para liberar Laura, os sequestradores exigiam uma quantia superior a R$ 11 milhões. Por volta de 6h de quarta (23), houve o primeiro contato com a família. Por redes sociais, os criminosos enviaram a fotografia de uma carta que continha uma série de exigências e o prazo para o pagamento do dinheiro: 72 horas.
Também era exigido que nenhum sequestrador fosse preso enquanto transcorresse a negociação e, além disso, o grupo ameaçava amputar uma parte do corpo da garota e enviar o membro à família ou à polícia caso o crime ganhasse repercussão na imprensa — o que não aconteceu, mesmo com a cobertura jornalística do sequestro. Justamente por isso, as forças de segurança catarinenses optaram por não falar sobre o caso até que a refém não corresse mais perigo.
Apesar das condições impostas, a polícia minimizou as ameaças. “Faz parte do jogo. São situações em que o criminosos querem aterrorizar, querem obrigar a família a fazer o pagamento”, disse o delegado Anselmo Cruz, diretor da Deic.
As motivações
A polícia ainda não confirma o real motivo do sequestro, mas acredita que tenha sido unicamente pelo dinheiro, descartando, a priori, alguma questão pessoal. “As explicações ainda são infundadas. Ao longo do dia, surgiram diversas motivações que teriam levado a esse crime de extorsão mediante sequestro. Uma delas, envolvendo uma questão das empresas da família que foi vítima, o que até o momento não procede também”, explicou o delegado Anselmo.
“O que tem se configurado até o momento mais forte é de que era simplesmente para tentar obter dinheiro. Um valor irreal com relação a condição imediata de pagamento”, completou o diretor da Deic.
A investigação
Logo que Laura Tessmann foi sequestrada, instaurou-se uma força-tarefa na investigação, que envolveu as polícias Civil, Militar e Científica, sob coordenação da Secretaria de Segurança Pública (SSP-SC). Segundo a Polícia Militar, agentes de Criciúma e de cidades vizinhas estiveram mobilizados no caso, inclusive policiais de folga, que foram acionados de última hora.
As primeiras pistas indicavam que o grupo teria saído do bairro Pio Correia com sentido ao bairro Próspera. Depois, teriam atravessado para o município de Morro da Fumaça. Lá, o primeiro carro foi encontrado à 00h45 de quarta (23). O Volkswagen Jetta havia sido incendiado na Rua Madre Maria Tereza De Jesus, transversal à Estrada Geral Linha Batista. O carro tinha placas trocadas e dentro dele estavam o celular, a bolsa e o crachá da menina, além de um moletom, que a polícia acredita ser de um dos sequestradores.
Horas depois, um homem de 22 anos foi preso em Criciúma. Segundo a polícia, ele tinha passagens policiais por tráfico de droga e está diretamente envolvido com o sequestro de Laura. A polícia não informou qual teria sido sua participação no caso, mas afirma que ele desconhecia a logística do crime e o paradeiro da garota.
A polícia afirma que já identificou os cinco sequestradores iniciais que abordaram o carro onde estavam Laura e Ramon. Além disso, existe a hipótese de haver mais envolvidos no esquema e não descarta a possibilidade de haver um mandante que não participou da ação. Assim como foi até o resgate de Laura, a investigação segue com o mínimo de detalhamento da Polícia Civil com relação à busca aos criminosos.
É um trabalho que precisa ser silencioso, cirúrgico, porque ao longo do dia o objetivo primordial é conseguir resgatar e garantir a integridade física de quem está sendo mantido refém. Dezenas estão fazendo os trabalhos nos bastidores enquanto o que é visto pode parecer uma inércia. Só que como a gente fala na gíria policial: numa situação dessas a gente não pode correr o risco de chutar uma porta errada — delegado Anselmo Cruz, diretor da Deic.
O resgate
Não se sabe ao certo ainda o que motivou a entrega de Laura. Não houve pagamento de dinheiro para resgate e tampouco intervenção policial que rendesse os criminosos. Na busca por Laura, a polícia monitorava as pistas dos sequestradores, mas evitava entrar em confronto direto com o grupo por precaução à integridade da menina, que estava sempre dentro de um dos carros utilizados na fuga.
“Estávamos falando de uma criança sendo mantida como refém, dentro do porta-malas de um carro, onde abordagens equivocadas, uma eventual perseguição, uma eventual fuga, situações de pressão, podem simplesmente fazer com que o motorista do carro acabe capotando e ela sofrendo lesões desnecessárias. Tudo isso se está avaliando quando se lida com gerenciamento de crises”, explicou o delegado Anselmo Cruz, diretor da Deic.
Um contato recebido, porém, foi crucial para a localização de Laura. Segundo Cruz, um advogado criminalista procurou a polícia alegando que teria contato com os sequestradores e que estaria disposto a colaborar com o fim do sequestro, uma vez que ele seria pai de uma colega de escola de Laura. Dessa forma, ele auxiliou a polícia na negociação para que a refém fosse entregue com vida.
Ainda assim, a polícia monitora com cautela a ajuda do advogado e não descarta suspeitos. “Nós não sabemos quem está envolvido com crime de extorsão mediante sequestro. Às vezes dentro da própria família que está sofrendo pode haver alguém envolvido. Teoricamente são pessoas vítimas, mas a nossa cautela precisa ser imensa por conta desse tipo de situação”, frisou o delegado Cruz.
A volta para casa
Resgatada das margens da estrada, Laura foi levada de volta a Criciúma na madrugada desta quinta-feira (24). Por volta de 1h, o delegado-geral da Polícia Civil de Santa Catarina, Ulisses Gabriel publicou no Twitter que “a menina Laura está indo para casa”.
Cercada por policiais, a garota foi recebida com festa na rua de casa, em comemoração ao retorno sem lesões corporais além das marcas das amarras nos pés e nas mãos.
Sem se manifestar na internet desde que a filha foi sequestrada, Amanda, mãe de Laura, publicou no Instagram agradecendo após resgate da menina. “Eu agradeço todo amor e orações enviadas nesse tempo. Vocês nos carregaram no colo. A dor que sentimos foi extrema”, disse Amanda.
O pai, Ramon, também se manifestou nas redes, junto a uma foto com a família. “Não tenho palavras e, ainda sob efeito de calmantes. Mas me comprometo a tentar fazer uma lista para cada um, quando possível abraçar pessoalmente”, declarou.
Confira o momento da chegada de Laura
Fotos: PCSC – Redes sociais /Reprodução
Vídeo: PCSC / Reprodução