24 de abril de 2025
TVBV ONLINE
Robson Reckziegel

Intimação de Bolsonaro na UTI: ato legal ou um excesso?

A imagem do ex-presidente Jair Bolsonaro sendo intimado por um oficial de Justiça enquanto estava internado em uma UTI pegou muita gente de surpresa — e, claro, rapidamente dominou o noticiário e as redes sociais. De um lado, acusações de abuso. Do outro, defesas firmes do cumprimento da lei. Mas, afinal, pode ou não pode intimar alguém em um leito hospitalar? E mais importante: deve?

Juridicamente falando, não há nada que proíba uma intimação dessa natureza. O Código de Processo Penal é claro: o acusado pode ser intimado onde estiver, inclusive em hospital. É o que diz o artigo 234. Mas a lei também exige bom senso — e é aí que a discussão realmente começa.

O limite entre o legal e o razoável

O fato de algo ser permitido não significa, necessariamente, que seja apropriado em todas as situações. Quando a pessoa está internada, especialmente em uma UTI, é preciso avaliar se ela tem condições físicas e mentais de compreender o conteúdo da intimação. Se não tiver, o ato pode ser considerado nulo — e, pior, visto como uma afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do direito à ampla defesa, essa análise é impossível para o Juiz que ordenada a intimação o que torna o ato mais complicado ainda.

 

O oficial de Justiça, nesses casos, precisa agir com extrema cautela. Idealmente, deveria haver uma avaliação médica que comprove que o paciente está apto a ser intimado. Se isso não for feito, corre-se o risco de o processo ser questionado judicialmente.

Urgência ou precipitação?

Outro ponto relevante é o da urgência. Havia risco real de o ato processual se perder, caso não fosse cumprido naquele momento? A intimação não poderia esperar até que o paciente tivesse alta ou estivesse em condição clínica mais estável?

O processo penal brasileiro prevê que, se o acusado estiver doente, a tramitação do processo pode ser suspensa temporariamente (artigo 152 do CPP). Portanto, a intimação imediata só se justifica em situações realmente excepcionais.

O que está em jogo

O caso reacende uma discussão importante: o equilíbrio entre a efetividade da Justiça e os direitos fundamentais do cidadão. Intimar alguém não é apenas “entregar um papel”. É um ato formal que exige, no mínimo, que a pessoa esteja em condições de responder a ele. E isso vale para qualquer cidadão — seja ex-presidente ou não, lembrando que ao receber uma intimação o réu precisa iniciar seu processo de defesa com reunião de documentos e consulta aos advogados, o que fica bastante dificultado e até mesmo arriscado estando internado em uma UTI.

A Justiça precisa ser firme, sim. Mas também precisa ser humana. E, nesse caso, o que vai determinar se houve excesso ou não serão os detalhes: laudos médicos, condições clínicas e, claro, a motivação do ato naquele momento.

É mais um episódio que mostra como o Direito, muitas vezes, vive nos detalhes — e que o bom senso, embora não esteja escrito nos códigos, continua sendo peça essencial na engrenagem da Justiça.