Por Fernando Bortoluzzi | Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Impulsividade por ter aparelho em mãos pode acentuar casos de depressão e ansiedade, afirma ciberpsicólogo
A população brasileira passa, em média, nada menos do que metade das horas em que está acordada em frente a alguma tela. Isso representa cerca de 9h30 gastos frente a computadores, celulares ou tablets. Quando o assunto é especificamente o smarthpone, nós passamos pelo menos um terço (32.4%) do tempo com o aparelho em mãos. Os dados são de uma análise do portal de tecnologia Electronics Hub, que aponta que o Brasil é o segundo país que mais utiliza o celular, atrás somente das Filipinas.
Comunicação, transporte, finanças, organização pessoal, meditação, estudos, lazer. São infinitas as possibilidades que cabem na palma da mão, muitas delas indispensáveis na rotina. Mas quando aproveitamos o tempo livre para também ficarmos com os olhos grudados na tela, já se acende um sinal de alerta. Segundo o psicólogo Fábio Coser, os comportamentos impulsivos de ter o aparelho por perto ou em atividade se assemelham aos observados em casos de dependência.
“Eles afetam o sistema de recompensa do nosso cérebro. Os aplicativos são feitos para que a gente passe o maior tempo possível neles, porque é como eles ganham dinheiro, principalmente as redes sociais. Eles são construídos para liberar dopamina no nosso cérebro, através de notificações, das curtidas, das mensagens. Isso acaba criando um estado de alerta para que a gente fique prestando atenção”, explica o especialista em ciberpsicologia.
Por que ficamos viciados?
Se imaginar uma vida sem celular hoje em dia parece impossível, o jeito é aprendermos a construir uma relação saudável com ele, uma vez que grande parte dos aplicativos são construídos sob uma lógica muito parecida com a de caça-níqueis de cassinos, com o objetivo de manter o usuário preso à tela.
“A dopamina é liberada à medida que temos estímulos de prazer, só que essa liberação também vai gerando uma tolerância. Então a gente busca mais e mais, mas sem sentir aquele prazer inicial, o que faz a gente se manter naquele comportamento. Um grande efeito disso é que também começamos a sentir menos prazer em outras atividades offline”, afirma o profissional.
A perda de interesse em atividades que antes eram atrativas, cansaço, falta de concentração e problemas para dormir são sintomas que, segundo o psicólogo, estão relacionados ao abuso do tempo de tela. Da mesma forma, esses sinais estão ligados a outros transtornos, como depressão e ansiedade. Fábio ressalta que o uso problemático do celular pode agravar o quadro de quem já enfrenta essas condições.
“A recompensa de estar online é tão grande, tão rápida e instantânea, que recompensas maiores que demandam um pouco mais de esforço, como por exemplo ler o capítulo de um livro, sair fazer um exercício, são menos atrativas. E isso acaba alterando todo o nosso funcionamento, causando problemas de sono e um estado constante de alerta”, acrescenta o ciberpsicólogo.
Indicadores de que o uso do celular pode estar se tornando problemático
• Checar constantemente o celular, mesmo sem receber qualquer notificação, de forma automática;
• Ficar ansioso, inquieto e até irritado pelo fato de estar longe do celular;
• Dificuldade em resistir ao impulso de usar o celular quando não se pode (dirigindo, durante reuniões);
• Acordar durante a noite para verificar notificações ou pegar o celular assim que acordar pela manhã;
• Dificuldade em se concentrar ou procrastinar tarefas importantes para passar tempo no celular;
• Isolamento social, substituir interações face a face para ficar no mundo virtual;
• Ignorar pessoas, utilizar o celular e sentir-se insatisfeito durante interações sociais;
• Sentir culpa e frustração por ter passado muito tempo no celular e não conseguir mudar esse comportamento;
• Dificuldade de aproveitar momentos offline, ler um livro, vivenciar o tédio.
Como construir uma relação saudável com o seu celular
Imponha-se limites
O primeiro passo para começar a construir uma relação mais saudável com seu smartphone é impor limites a si mesmo quanto ao uso do aparelho. O psicólogo Fábio Coser sugere estabelecer ambientes específicos em casa onde pode-se ou não utilizá-lo, ou até mesmo um horário para deixar de vez o celular de lado e não conferir mais nem mesmo as notificações.
Crie rotinas offline
Criar rotinas com tarefas em que você passe menos tempo conectado e com alternativas ao celular para o lazer também são um passo importante, que pode ser dado seja lendo um livro, fazendo atividade física ou apenas dando um passeio ao ar livre.
Precisamos ter outros tipos de atividades prazerosas e recompensadoras que não estejam associadas ao dispositivo. “Quando a gente está entediado, é muito comum a gente busque o aparelho para procurar alguma coisa, então é importante a gente suportar esse tédio de estar longe do celular e buscar alguma outra coisa para fazer com esse tempo livre”, ressalta o psicólogo.
Deixe ele para fora
A luz azul emitida por dispositivos eletrônicos, como celulares, tablets e computadores, pode interferir diretamente na produção de melatonina, o hormônio que regula o nosso sono. Para cortar pela raiz os impactos nocivos que o uso de celular antes de dormir pode causar, o jeito é deixar ele para fora do quarto.
Assim, você não se sente atraído a olhá-lo a cada novo alerta de notificação e garante minutos preciosos de sono que você perderia rolando algum feed ou assistindo vídeos. O que acha de procurar um bom e velho relógio despertador?
Desative as notificações
As atualizações dos sistemas operacionais mobile, como Android e iOS, vêm cada vez mais com a possibilidade de personalizar as notificações que o usuário deseja receber quando ele busca um momento com menos distrações. O modo “Foco” do iPhone, por exemplo, ajuda a reduzir o estado de alerta no trabalho, na hora de dormir ou na de dar um tempo na tecnologia.
A dica de Fábio é deixar deligados todos os avisos desnecessários. “Quanto mais notificações a gente vai recebendo, mais ativa o nosso sistema de recompensa que faz a gente querer pegar o celular. Então tudo o que não for essencial, é importante desativar e manter o celular, na medida do possível, no silencioso, para que ele também não dê o anúncio sonoro de que tem alguma coisa acontecendo”, explica o psicólogo.
Use a tecnologia a seu favor
O tempo de uso de tela também vem ganhando destaque no próprio sistema dos aparelhos, com gráficos que exibem quanto tempo passou com a tela ligada, os aplicativos utilizados e em que padrão eles se encaixam, permitindo diferenciar necessidades do trabalho de tempo vendo vídeos, por exemplo. Que tal deixar a informação do tempo que você passou com o celular em mãos durante o dia o mais visível possível?
Além dos aplicativos dos próprios sistemas, há muitos outros que podem ser baixados e com as mais diferentes possibilidades, desde enviar uma notificação avisando que está na hora de dar uma pausa, até bloquear um aplicativo quando o limite diário de tempo for alcançado.
Procure ajuda
Se você se identificou com muitos dos sinais de alerta citados acima e acha que não dá conta de reduzir o tempo gasto no celular sozinho, saiba que não há problema nenhum em pedir ajuda a um amigo ou um profissional.
“Muitíssimo importante, se perceber que a situação está fugindo do controle, que está tendo muito prejuízo em áreas da vida por conta do uso de smartphone, buscar ajuda psicológica para conseguir entender também o que que é que está acontecendo na vida, que está te fazendo entrar nessa dependência”, finaliza o psicólogo Fábio Coser.